sábado, 22 de dezembro de 2018

Natal e preconceito





Poderíamos falar de uma tendência universal. Porque o Preconceito o é. Diversos estudos – da Psicologia das relações interpessoais até à Psicologia diferencial ou à Economia da Informação, reconhecem que todos somos preconceituosos. Obviamente, em níveis diferentes e com consequências diferentes. Já José de Alexandria referia o teste tripartido do preconceito: - Casarias a tua filha com aquela pessoa? Passearias na rua com aquela pessoa? Darias a chave da tua casa àquela pessoa? – Se responderes não a uma ou mais dessas questões, então tens pré-conceito sobre essa pessoa. Que, à partida, é uma previsão (racional) que fazemos sobre algo ou alguém sem precisar de mais provas.
Também, eventualmente, ao longo da vida, todos fomos vítimas de preconceito. Quer o saibamos quer o desconheçamos. Quando alguém não nos preferiu, não quis sentar-se na nossa mesa ou fez de conta que não nos viu, fomos vítimas de preconceito. Preconceito racial, difamatório,  plutocrático, partidário, religioso ou estratégico. Mas sempre, preconceito.
Na maioria das vezes, e nas nossas sociedades ocidentalizadas após a II Guerra Mundial, o preconceito não agrediu – em massa – grupos étnicos ou sinalizados como antes o tinha feito. No entanto, os novos Extermínios, os novos ghettos e as novas xenofobias têm o condão de limitar a mobilidade social, o acesso aos padrões de conforto por parte de alguns, de levar a uma certa emigração (quase forçada) e a um certo abandono dos mais fracos. No fundo, quanto do nosso tempo damos aos mais velhos, aos mais pobres, aos mais sozinhos, aos mais estúpidos e aos mais rejeitados? Não damos tempo porque não o temos – é a meia verdade. A outra meia é que não lhes damos tempo porque não gostamos tanto deles como deveríamos se não fôssemos tão preconceituosos.
A nossa região do interior sofre de Preconceito. Pode até também ser preconceituosa nalgumas coisas mas séculos de História de acolhimento – de judeus perseguidos a galegos do Século XIX famintos e a espanhóis perseguidos na Guerra Civil – fizeram da nossa região transmontana um exemplo de espaço de acolhimento (que não foi necessariamente linear). A dependência do Turismo como omni-solução no Século XXI obrigou os transmontanos a receber turistas também. No entanto, quantos transmontanos atualmente são pivôs da comunicação social que ostracizou os sotaques para lá da Linha Sintra-Cascais? Quantos Ministros oriundos ou residentes dos distritos transmontanos e durienses? Quantos jogadores em qualquer Seleção Nacional de uma qualquer modalidade? Mas o grande preconceito que a região tem está sobretudo visível na dificuldade que tem em conseguir que outros enterrem Tempo nela – que invistam, que casem cá, que não sejam só turistas, que queiram abrir portões, acender as lareiras, desempoeirar as cortinas e passar serões. E que não venham só pelo Natal, agarrados ao telemóvel em comunicação com quem está fora.
Quando Jesus nasceu, os relatos que nos chegaram mostram-No como nascendo para todos e sendo acolhido primeiramente pelos rejeitados. Por isso, a Esperança e o Natal serão sempre especiais nos espaços da Periferia. Boas Festas!

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

A diferença e a conveniência






Desde que nascemos, que percebemos que somos diferentes. Uns dos outros. Dos nossos Pais e Avós. A vizinhança tem casas diferentes e o mesmo condomínio alberga tapetes diferentes na porta das frações. As garagens guardam viaturas diferentes – quer na cor, quer na cilindrada, quer no ano de matrícula.
A literatura sobre a Desigualdade sócio-económica raramente se preocupa com estas diferenças. Porque a desigualdade social começa na desigualdade das preferências com que cada um nasce e se cria. Uns nascem ou aprendem a gostar do vermelho, outros do verde e terceiros do amarelo. Há também quem nasça ou aprenda a gostar do azul e das outras cores. Portanto, poderemos considerar que a desigualdade sócio-económica começa nos genes de cada um. Preferimos amizades diferentes, madeixas desiguais, frequência de cafés distintos, compositores diversos, bandas filarmónicas divergentes das preferidas dos nossos mais próximos. Depressa percebemos que somos diferentes no tamanho, na altura, no peso, na beleza e na atratividade, na capacidade de abstração e nas qualidades estéticas. Uns gostam delas grandes, outros gostam delas pequenas e há até quem as prefira bem passadas – às postas maronesas, claro!
Mas a literatura sobre a Desigualdade sócio-económica considera que esta é muito mal percebida pelos indivíduos na observação de três cenários.
O primeiro cenário é relativo à desigualdade que impede a obtenção de mínimos absolutos de sobrevivência física e social. A desigualdade que mata uns à fome, que reduz o ser humano a um animal ou que impede a satisfação básica dos indivíduos com a sua vida é o primeiro cenário que despoleta a revolta.
O segundo cenário deve-se à desigualdade de recompensa pelo mesmo esforço. Fica revoltado o aluno que demonstrou o mesmo empenho que o colega e que tem nota mais baixa; fica revoltado o funcionário público que com o mesmo (ou melhor) desempenho que o seu colega e é preterido por critérios oficiosos; fica revoltada a região que paga os mesmos impostos e vê uma côdea de recompensa do Orçamento de Estado, repetida a côdea ano após ano na legislatura.
O terceiro cenário é o que impede o desenvolvimento do indivíduo e do grupo por condições exógenas como a cor da pele, o sotaque da sua voz, a pobreza do berço ou a distância para com as capitais. É próprio do ser humano ultrapassar-se; é imoral limitá-lo.
Refleti com colegas brasileiros (do Paraná) sobre estas desigualdades nas remunerações da Indústria brasileira. Esse reflexão foi publicada no jornal científico Quality and Quantity sob o título “The luck of being of the right gender and color: a detailed discussion about the wage gaps in the Brazilian manufacturing industry”. Lá (como cá) esforços iguais tem remunerações diferentes – que pouco tem a haver com a produtividade de cada um. Ter a cor de pele certa e ser do género certo é premiado no Brasil mais do que ser um bom operário.
Será que cá olhamos também a outros fatores como o cartão partidário, a importância da jurisdição onde se vota, a centralidade em determinadas redes sociais, os cafés que se frequenta, os Gostos que pomos nos posts boçais de algumas individualidades ou nas fotos estranhas dos seus Instagrams? Ou será que, bem no fundo, aceitamos a Desigualdade e somos sempre dos Três Grandes, do Arco do Poder e quando podemos parecer maior tentamos fazer os outros (parecerem) mais pequenos? No fundo, bem no fundo, Marco Antonius não era tão diferente de Brutus.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Reflexão para a Comissão Diocesana Justiça e Paz/Vila Real




A população idosa na diocese de Vila Real (com mais de 65 anos) é uma população que merece/exige uma atenção (uma ‘Ágape’) por parte dos Próximos: indivíduos em idade ativa ou em idade de amadurecimento, instituições públicas, empresas e instituições da denominada Economia Social.
De acordo com dados oficiais (INE/PORDATA), é atualmente composta por 47242 indivíduos, chegando nalguns municípios a valer quase 30% dos residentes. Ainda que escasseiem dados com detalhe necessário, espera-se que o rendimento médio de cada uma destas pessoas ronde os 400 euros, o que representa 35% da média do rendimento nacional – portanto, cada uma destas pessoas à partida tem menor poder de aquisição do que outro cidadão nacional. Como reflexo, resultados recolhidos por inquéritos nacionais, mostram a população idosa insatisfeita ou muito insatisfeita com o poder de compra.
A maioria desta população (98% para os homens e 77% para as mulheres) é composta por pensionistas, isto é, por pessoas cuja fonte principal de rendimento são figuras de Pensão, isto é, transferências unilaterais do Estado por motivos de compensação da contribuição direcionada durante a vida contributiva, pela acumulação diminuída de capitais ou poupanças ou por compensação das consequências derivadas de acidentes diminutivos da produtividade esperada.
Ainda que os dados diretos escasseiem, a ação económica destas pensões é visível e importante (ou muito importante) no desenvolvimento da região. Por uma via, estas pensões – dado o valor caraterístico – vão maioritariamente para fins de consumo próprio que em não raras vezes se canaliza para consumo do agregado familiar (cônjuge, filhos e netos). Adicionalmente, contribuem para a dinâmica da Poupança na região (tradicionalmente uma região que Poupa mais – que deposita mais nos Bancos – do que se endivida). Finalmente, e considerando só os fluxos mensuráveis, a ação económica estende-se ao esforço redistributivo em muitos casos, pois os idosos da diocese de Vila Real ajudam (“dão dinheiro”) a filhos desempregados, suportam despesas associadas aos filhos e até à educação dos netos. Portanto, desde logo, o dinheiro destes idosos é importante para a região.
Nesta súmula, gostaria ainda de invocar dois pontos: a importância maior destas Pessoas para o Desenvolvimento Sócio-Económico da Sociedade e da Igreja da região e finalmente os alarmes que algumas destas Pessoas nos deixam.
Estas Pessoas – numa visão metafórica/Exegética – são Sacrários. São ‘pontes’: entre a Igreja mais militante nas décadas passadas, com a sua Riqueza de Tradições, de Concepções do Homem e do Social, mas também com os seus Desafios próprios de uma visão de um mundo atual que pode ‘escandalizar’ alguns. São Igreja mas também precisam da Igreja para não se desintegrarem nestes choques. São importantes para o Desenvolvimento do País pois, além da afetividade e do carinho que proporcionam como imagem e como presença junto dos outros, permitem uma leitura crítica dos ritmos, das escolhas e dos valores.
Finalmente, os alarmes. A maioria dos Pobres (naquilo que o conceito tem de violento e complexo) são idosos em Portugal. Também o mesmo acontece na Diocese. Fazemo-los Pobres quando os desvalorizamos, quando lhes negamos conforto e consumos básicos (mas também impostos, como as necessidades digitais) e quando os obrigamos a transportes longos para centros de saúde por exemplo. Fazemo-los Próximos quando, como o Bom Samaritano, descemos dos nossos ritmos, caminhamos até eles, sentimos a sua carne (na alegria e no sofrimento) e acompanhamos a sua recuperação/valorização.

Paulo Reis Mourão. Vila Real, 17 de setembro de 2018