quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Iron Maiden, Dom Sebastião e Presidentes da Junta



Vou começar como vou terminar – neste momento, cada concelho de Trás-os-Montes e Alto Douro, incluindo os sedeados nas cidades, perde um habitante por dia. É uma evidência.
Com esta evidência, é muito interessante – sob o ponto de vista literário – assistir a alguns momentos da campanha eleitoral autárquica. É-o porque estamos perante episódios trágicos.
De acordo com o sentido maior de tragédia, é classificada enquanto tal a obra (ou representação) na qual as personagens, incapazes de contrariar o destino, vão lutando durante o enredo – ainda que sem sucesso – para contrariar o mesmo. A Literatura Universal tem um cardápio longo de grandes obras desta natureza que vão ficar secundadas pela generalidade dos discursos que povoaram a campanha autárquica recente.
Por um lado, é verdade que algumas destas personagens são inocentes perante o trágico destino. A população eleitora é uma dessas personagens inocentes que tem assistido a uma melhoria das condições de vida resultado do amadurecimento do Desenvolvimento do país, se compararmos com o que se passava há trinta ou há cinquenta anos. Vive-se mais, existe mais oportunidade de turismo dentro e fora do país, há mais atividades culturais e propostas de conhecimento dispersas pelo território, o Serviço Nacional de Saúde está mais próximo da população e os rendimentos das famílias permitem um acesso a infraestruturas de consumo impensáveis há duas gerações atrás. A qualificação dos cidadãos aumentou ainda que sem a compensação relativa equivalente – muitos netos (agora licenciados ou mestres) de cidadãos que só tiveram a oportunidade de completar a então Escola Primária não estão hoje com melhores remunerações relativas do que os seus avós (outra das ‘tragédias nacionais’). Isto significa que até têm hoje cursos, que até passaram pelas universidades, mas em contrapartida a desigualdade sócio-económica não diminuiu como devia no nosso país (um tema também sobejamente debatido e evidenciado). Também é verdade que a população vai mais depressa assistir a um jogo no Dragão, na Luz ou no Estado do Rei com os vizinhos do que vai ao Monte da Forca, ao Municipal de Murça no Seixo ou ao Campo da Feira em Sabrosa, o que explica muita outra coisa. Finalmente, também é verdade que a população janta mais vezes fora do que há cinquenta anos, dinamiza a restauração envolvente e convive mais com uns e com outras. E, no entanto, cada concelho da região perde um residente por dia. Por mês? Não, por dia.
Agora, olhemos para outras personagens inocentes – as autarquias. A evolução do número de funcionários municipais mostra um aumento nos primeiros trinta anos a seguir a Abril de 1974, oficialmente estancado em meados da primeira década deste milénio (ainda que com a substituição de muitos empregos permanentes por funções avençadas, contratos de duração indefinida, lugares comparticipados por fundos comunitários ou por iniciativas de ciclo político). Com esta evolução, houve também um aumento dos recursos das autarquias de modo a responder ao crescimento da despesa associada. A descentralização continuou a basear-se no reforço das dotações atribuídas, sob várias formas aos municípios, e com isto abandonou-se o ideal regionalista, imiscuído no transformismo das CCDR ou das CIM. Houve evolução na qualificação dos funcionários municipais, houve modernização das estruturas administrativas, houve uma clara aposta na digitalização das acessibilidades, na diversificação dos gabinetes que replicaram em pequena (ou em não tão pequena) escala os corredores de São Bento e até na maquilhagem e na assessoria de imagem dos autarcas. Portanto, tanto esforço, tanto sacrifício em prol da população inocente e… no entanto, cada concelho da região perde um residente por dia. Por mês? Não, por dia.
Confesso pois a admiração homérica pelos candidatos a autarcas e pelas suas mensagens. Não lhes deve ser nada fácil transmitir esperança, sonhos e energia perante os factos de tal trágico silêncio. Encontro aqui duas personagens com lutas e expressões parecidas. A primeira foi Lord Raglan, no trágico ataque da Brigada Ligeira e as suas palavras de incentivo aos soldados a caminho do martírio, palavras imortalizadas pelos Iron Maiden, no tema ‘The trooper’. A segunda é o nosso adorável Dom Sebastião que, em Alcácer-Quibir, dizia: “Morrer, sim, mas devagar.” O poeta arménio Vahagn Davtian sintetizou este trágico destino de Sísifo – por algum motivo, Sísifo foi também a personagem que Torga escolheu para patrono da nossa região - num verso imortal: “Avançar sempre – chegar nunca”.

domingo, 10 de setembro de 2017

Mercados patrióticos



A Liga Inglesa de 2018/2019 vai encurtar a janela de transferências de importação. Isto significa que os clubes ingleses terão de fechar os negócios relativos a contratação de novos jogadores antes do apito inicial do primeiro jogo agendado para aquela época. No entanto, muito pouco ainda foi definido em termos de exportação que continuará a ser permitida dentro das regras dos mercados adquirentes de talentos britânicos. Na prática, faz-se aquilo que tantas vezes a Inglaterra tem feito e- curiosamente – com mais prejuízos para a generalidade dos ingleses do que propriamente com benefícios líquidos: os entraves à importação.

Quando a Inglaterra, em meados do Século XIX, decidiu barrar/dificultar a importação da maquinaria germânica, que chegava aos portos britânicos com a reputação de fiável e duradoura, usou de várias ferramentas – desde decretos reais até vandalização. Foi nesse período que surgiu o rótulo ‘Made in…Germany’ com intenções xenófobas que visavam encarecer a aquisição de material alemão com custos de depreciação social. O problema é que virou-se o feitiço contra o feiticeiro – e o rótulo depreciativo acabou, na prática, por se transformar num slogan mediático que acelerou a identificação das importações vindas da Alemanha e consequentemente a sua aquisição pelos pequenos industriais e clientes domésticos ingleses. Como vários autores de então comentavam, o patriotismo é mais fácil de vingar nos campos de batalha do que nas casas dos soldados.

Dado o peso económico do mercado inglês no mundo do futebol, sobretudo em termos de folha salarial e de negociação dos direitos televisivos, a colocação de entraves de janela temporal vai, na prática, fazer render ainda mais o negócio daqueles que estão dispostos a alargar as barreiras para quem está disposto a pagar. Já que não vai ser tão fácil esperar pelos dias finais de agosto para o encerramento das contratações, o valor a pagar pela observação e agenciamento dos jogadores deve subir claramente. Os ‘Managers’ pensarão – queremos os melhores jogadores quanto antes! E por isso, toda a equipa de scouting espalhada pelo mundo vai exigir compensações adequadas pela descoberta mais cedo do maior diamante – polido ou em bruto. Os rumores terão rotação mais acelerada, os treinadores ingleses uma maior definição dos plantéis em perspetiva e a imprensa da especialidade terá maiores certezas na edição das revistas de lançamento da época desportiva.

E o que ficará para as restantes ligas? Ligas igualmente poderosas como a Espanhola ou a Italiana na prática terão efeitos pouco significativos. Os grandes clubes procurarão assegurar as melhores aquisições quantos antes como tem sido até agora, pois, além da pressão do agenciamento e da instabilidade dos rumores haverá adicionalmente a certeza de que uma Liga importante fechará o seu mercado de aquisições mais cedo. Os ‘bons jogadores’ sobrantes da Liga inglesa curiosamente ficarão a perder – nada pior no jogo da reputação ter fama de ‘admissível’ e depois não ser admitido. Vários estudos no campo da Teoria dos Jogos e na Economia Experimental tem mostrado como este tipo de situações leva a uma desvalorização significativa do bem ou serviço em causa que pode cair para mercados terciários. E é aqui que entra Portugal, que poderá ficar a ganhar com as ‘pechinchas’ – jogadores com nível de Liga Milionária mas que, por mau agente, mau tempo ou má sorte, não conseguiram inscrição na Liga desejada, no devido tempo.

Afinal, quando a lotação de um bar está no limite máximo, existirá sempre não muito longe algum outro disposto a servir um café.