segunda-feira, 4 de julho de 2016

Os míldios



Este ano, o míldio atacou forte. Escondido na natureza da videira, o agente responsável – um parasita, encontrando condições favoráveis, como uma humidade persistente que este ano foi notória, deflagra quando as temperaturas médias atingem valores mais elevados e, mesmo para aqueles que foram previdentes, provoca quebras acentuadas que na produção quer na qualidade da produção vinícola.

O míldio é o exemplo claro de um agente exógeno ao esforço do viticultor. As condições favoráveis ao seu desenvolvimento são exogenamente impostas à região atacada. A própria extensão do problema parece aleatoriamente explicada. E portanto, se é aleatório, não é justo/determinado.

A economia portuguesa está repleta de míldios. Sobretudo três categorias de parasitas, perdão, de míldios: o crédito bancário irracionalmente gerido, os lobbies políticos, e o berço. Vamos dissecá-los.

O crédito bancário irracionalmente gerido está por detrás da crise nacional do sistema bancário. Se a crise de 2008 tinha ramificações com o virtuosismo da gestão bancária internacional, apostada nos mercados derivados e numa análise inexistente do risco (tantas vezes sob o preço das vozes prudentes ficarem arredadas nos Conselhos de Administração), já as crises nacionais do BPN, BPP, BES/Novo Banco, e etc são dependentes dos Míldios que se instalaram no sistema bancário, tão longínquo de princípios de prudência ensinados nas Faculdades de Economia e de Gestão de 1970 e 1980: toda a tesouraria deve refletir os movimentos de faturação/liquidação; todo o fluxo monetário tem uma contrapartida de sentido reverso de mercadoria; e todo o risco deve ter uma compensação na provisão em função da margem de risco passado. Os Míldios levam a que os outros assinem ‘de cruz’, instalam-se nos grupos de corredor, nos sorrisos de esgar, nas marcas da António Augusto de Aguiar e nas costas esquecidas pelo burgo. Com condições favoráveis, atacam, desaparecem por momentos, reaparecem quando convém.

Os lobbies políticos atacam também quando convem aos interesses de alguns investidores. Um lobby político tem bons contatos em pelo menos três partidos, preferencialmente do arco de governação. Os lobistas são muitas vezes juristas (advogados e/ou solicitadores com pouco trabalho de escritório e muito trabalho de rede social). Raramente, os lobistas são homens do campo, mulheres a dias ou estudantes de universidades do interior. Quando aparecem, fazem com que discursos de Esquerda pareçam de Direita, com que gastos de Direita pareçam Despesa Social e finalmente as opções que ontem um partido criticou pareçam hoje boas opções porque são nossas. São os primeiros a defender que “Os produtos expostos são para consumo da casa” e na rua apregoam “Se queres fiado, toma”. São bons rapazes, são boas raparigas. A vida é que os fez assim. Conduzem viaturas em primeira mão (adquiridas num valor superior a cinquenta mil euros) e investem no imobiliário e em arte. Muito frequentemente não têm casa própria, portanto sem domicílio fiscal. Com condições favoráveis, atacam, desaparecem por momentos, reaparecem quando convém.

O berço é, sem cairmos na arrogância de Proudhon, o roubo que a aleatoriedade genética atribui à humanidade. É um míldio instalado na sociedade portuguesa, desde que os Filipes foram embora (aliás Dom João Mestre de Avis, ele um bastardo, soube recompensar os outros que como ele eram filhos da… mãe). Se alguém cujo pai foi Ministro rouba, não é ladrão, mas um cidadão influenciável. Se alguém cuja mãe é deputada não consegue estabilizar numa dúzia de relações amorosas em cada 6 meses, não é ninfomaníaca, mas uma figura social. Finalmente, se o tio é comendador da República e o fulano contribui para o escoamento dos garrafões das adegas do Alentejo não é um alcoólico, mas um bom provador de vinho. Na terra, são rapazes e raparigas ditos de “boas famílias” quando os antigos mordomo/caseiros ouvem cochichos no café sobre os “meninos” (pobres dos bisavós que eram cavadores), gostam dos assentos autárquicos e de pertencer às Mesas das Cooperativas, das Misericórdias e das Associações Filantrópicas e Humanitárias dos Bombeiros Voluntários. Portanto, como os outros míldios, com condições favoráveis, atacam, desaparecem por momentos, reaparecem quando convém.

E para estes míldios de duas pernas e oito barrigas não basta sulfato nem enxofre. Se a República não chegar, há sempre mais mundo para lá do Marão.



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