quinta-feira, 24 de março de 2016

Trancas à porta



Depois de casa roubada, põem-se trancas nas portas. Os adágios populares refletem um conhecimento empírico, generalista e prudente. No caso da “casa roubada, vigilância reforçada” aplica-se um conhecimento que se debruça sobre a tendência pessoal e social de estarmos mais atentos a uma má experiência depois de sentirmos as consequências derivadas da negligência anterior.

O mesmo adágio tem-se aplicado, muitas vezes, ao legislador nacional e ao respetivo par comunitário. Em não raras ocasiões, legisla-se contra o fogo, depois da terra queimada, legisla-se sobre o setor financeiro depois dos escândalos, legisla-se sobre a segurança depois do terrorismo massacrar.

Desde logo, impõe-se uma questão, simples e abominavelmente densa: Porque existe a lei? Porque se legisla? As Escolas do Direito Clássico convergiam numa resposta: Existe lei porque o comportamento humano é instável. Mas dado o desejo profundo de vida comunitária, a lei regula o comportamento entre os seres humanos, envolvendo toda a matéria desfrutável por cada agente, logo, responsabilizável. As Escolas do Direito Moderno acrescentam alguns pormenores a estas assunções. Existe lei porque a sociedade a pede, como resposta a um quadro que não se deseja repetir ou que se pretende prevenir. Um quadro composto, cada vez mais, pelos contributos de ciências como a Economia que tem identificado as “falhas” (isto é, as imperfeições) sobre a relação direta de troca de valores entre os agentes (o denominado “Mercado”), sobre as falhas da Autoridade (o denominado “Estado”), ou sobre as falhas dos costumes e das tradições nas visões da sociedade atual.

Foram estas questões que nos motivaram (a mim e ao colega Vítor Martinho) a estudarmos a reatividade ou a proatividade das leis nacionais sobre os fogos florestais. Uma lei é reativa se responde a um quadro vivido por grupos da sociedade. Uma lei é proactiva se tenta prevenir e influenciar uma tendência observada num fenómeno. Empregando uma metodologia apropriada, concluímos que as leis de incidência florestal tendem a ser, em Portugal, reativas. Portanto, primeiro assistimos à evolução e ao alcance dos prejuízos florestais; depois, legisla-se sobre o assunto. O referido artigo intitula-se “Discussing structural breaks in the Portuguese regulation on forest fires—An economic approach” e foi publicado no “Land Use Policy”.

Estas conclusões merecem reflexões aprofundadas. A primeira mostra que setores – como o florestal - que vão caindo de importância no PIB só chamam a atenção quando são focos de prejuízos humanos e sociais avultados. Por arrasto, poderíamos colocar nesta negligência muitas estradas, infraestruturas públicas e mesmo edifícios de uso coletivo espalhados por tantos territórios de baixa densidade. A segunda reflexão mostra que no lugar de um parlamento previdente temos (tido) um parlamento-sirene que legisla só quanto o alarme toca. Finalmente, a terceira reflexão mostra uma estabilização (em valores muito baixos) dos documentos legislativos incidentes no setor florestal, nos últimos anos. Uns dirão que até está bem, demonstrando que uma acalmia na regulação ajuda os agentes a organizarem-se; outros dirão que pouca legislação pode ser sinal/ameaça de esquecimento. Aliás, pesquisando pelas bases de dados legislativas em Portugal, um termo tão simples como “Douro” tem aparecido cada vez menos na própria legislação nacional.

“Pas de nouvelles, bonnes nouvelles” ou “Olhos que não veem, coração que não sente”?

Os adágios são tramados…