Depois de casa roubada, põem-se
trancas nas portas. Os adágios populares refletem um conhecimento empírico,
generalista e prudente. No caso da “casa roubada, vigilância reforçada”
aplica-se um conhecimento que se debruça sobre a tendência pessoal e social de
estarmos mais atentos a uma má experiência depois de sentirmos as consequências
derivadas da negligência anterior.
O mesmo adágio tem-se aplicado,
muitas vezes, ao legislador nacional e ao respetivo par comunitário. Em não
raras ocasiões, legisla-se contra o fogo, depois da terra queimada, legisla-se
sobre o setor financeiro depois dos escândalos, legisla-se sobre a segurança
depois do terrorismo massacrar.
Desde logo, impõe-se uma questão,
simples e abominavelmente densa: Porque existe a lei? Porque se legisla? As
Escolas do Direito Clássico convergiam numa resposta: Existe lei porque o
comportamento humano é instável. Mas dado o desejo profundo de vida
comunitária, a lei regula o comportamento entre os seres humanos, envolvendo
toda a matéria desfrutável por cada agente, logo, responsabilizável. As Escolas
do Direito Moderno acrescentam alguns pormenores a estas assunções. Existe lei
porque a sociedade a pede, como resposta a um quadro que não se deseja repetir
ou que se pretende prevenir. Um quadro composto, cada vez mais, pelos
contributos de ciências como a Economia que tem identificado as “falhas” (isto
é, as imperfeições) sobre a relação direta de troca de valores entre os agentes
(o denominado “Mercado”), sobre as falhas da Autoridade (o denominado “Estado”),
ou sobre as falhas dos costumes e das tradições nas visões da sociedade atual.
Foram estas questões que nos
motivaram (a mim e ao colega Vítor Martinho) a estudarmos a reatividade ou a
proatividade das leis nacionais sobre os fogos florestais. Uma lei é reativa se
responde a um quadro vivido por grupos da sociedade. Uma lei é proactiva se
tenta prevenir e influenciar uma tendência observada num fenómeno. Empregando
uma metodologia apropriada, concluímos que as leis de incidência florestal
tendem a ser, em Portugal, reativas. Portanto, primeiro assistimos à evolução e
ao alcance dos prejuízos florestais; depois, legisla-se sobre o assunto. O referido artigo intitula-se
“Discussing structural breaks in the Portuguese regulation on forest fires—An
economic approach” e foi publicado no “Land Use Policy”.
Estas conclusões merecem
reflexões aprofundadas. A primeira mostra que setores – como o florestal - que
vão caindo de importância no PIB só chamam a atenção quando são focos de
prejuízos humanos e sociais avultados. Por arrasto, poderíamos colocar nesta
negligência muitas estradas, infraestruturas públicas e mesmo edifícios de uso
coletivo espalhados por tantos territórios de baixa densidade. A segunda
reflexão mostra que no lugar de um parlamento previdente temos (tido) um
parlamento-sirene que legisla só quanto o alarme toca. Finalmente, a terceira
reflexão mostra uma estabilização (em valores muito baixos) dos documentos
legislativos incidentes no setor florestal, nos últimos anos. Uns dirão que até
está bem, demonstrando que uma acalmia na regulação ajuda os agentes a
organizarem-se; outros dirão que pouca legislação pode ser sinal/ameaça de esquecimento.
Aliás, pesquisando pelas bases de dados legislativas em Portugal, um termo tão
simples como “Douro” tem aparecido cada vez menos na própria legislação
nacional.
“Pas de nouvelles, bonnes
nouvelles” ou “Olhos que não veem, coração que não sente”?
Os adágios são tramados…