Havia uma tradição muito antiga
que pesava sobre os funcionários das Tesourarias Públicas – a de, ao assumirem
funções, o referido funcionário depositar um valor (a ‘caução’) que seria
perdido ou diminuído em caso de dolo causado ao erário público, ainda que
involuntário ou por negligência. No final de uma carreira, como prémio devido a
todos aqueles que não tinham lesado as contas do Estado, a caução era
devolvida.
Esta tradição, pouco a pouco
transformada na generalidade das economias modernas por sistemas mais ágeis e
menos capitais, tinha toda a razão de ser. Gerava-se um incentivo muito
importante para se tratar os números com respeito, sem leviandade, com uma
seriedade inspirada no sentido transcendental da “Palavra”, tão bem
compreendido pelas gentes do mundo rural que tantos contratos faziam “ de
palavra”. Palavra que era respeitada, ainda que não fosse escrita. Em
contrapartida, o mentiroso caia na infâmia de uma loucura apontada pela
sociedade envolvente, não raras vezes tendo que sair do sítio para continuar a
viver.
Rio muito quando ouço debates
sobre o Orçamento do Estado. Tendo defendido quer o Mestrado quer o
Doutoramento em Política Económica é raro – a minha família pode atestar – que
não haja programa mais divertido durante o ano, para mim, do que ouvir
engenheiros, advogados, outros licenciados e outros graduados falarem de cór
sobre as Contas do Estado, ecoando palavras mal unidas que ouviram nos
corredores ou que leram na diagonal dos relatórios oficiais. Em contrapartida,
entristece-me ouvir economistas, alguns com Doutoramento em Economia, dizerem
tantos disparates sobre Política Económica, tentando fazer o jogo dos
comentadores que, patrocinados por grupos económicos e lóbis partidários, não
enganam ninguém.
Por isso, já há vários anos, que,
num Congresso em Londres, onde eu participava, surgiu a possibilidade de os
Ministros, os Secretários de Estado e os deputados fazerem uma caução ao
entrarem em funções, que veriam diminuída na proporção do falhanço das
previsões do défice do Estado ou do peso da dívida pública. Assim, se um
Ministro declarasse “o défice vai ser de 3% do PIB” e o défice fosse atestado
pela metodologia da OCDE, após a aprovação da Conta Geral do Estado, em 2.8%, o
referido Ministro (mais todos os subscritores) veriam as respetivas contas
caucionadas diminuídas em 0.2 pontos percentuais. Em contrapartida, se a oposição
sugerisse “O défice ficará nos 3.5%” e o referido ficasse nos 2.8%, então todos
os deputados dessa oposição veriam o valor em depósito previdente (o sentido de
‘caução’) diminuído em 0.7 pontos percentuais. Simples! Evitar-se-ia tanta
astrologia onde deveria imperar o Método, o Rigor, a sinalização de
confiança/responsabilidade e evitar-se-ia a demagogia. A Política sairia mais
nobre, mais séria, mais exata.
O mesmo princípio seria aplicado
na discussão dos Orçamentos anuais de todas as figuras públicas, desde a Presidência
da República até às Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia. Sairiam
reforçados os Auditores externos (tantas vezes politizados) bem como as figuras
dos Contabilistas e dos Revisores Oficias de Contas. Regras claras, números
transparentes! Ou será que 2 e 2 só são 22 para receber e 4 para pagar?